A Liberdade como Fardo: A Responsabilidade em Sartre e as suas Implicações Contemporâneas
- hugoalexgomes7
- 2 de mai.
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A Liberdade e a "Condenação"
Jean-Paul Sartre, uma das figuras centrais do existencialismo do século XX, afirma que o ser humano está "condenado à liberdade". Esta frase paradoxal capta a essência da sua filosofia: a liberdade não é uma simples dádiva, mas um fardo existencial. Somos inteiramente responsáveis por quem somos, sem escapatória possível.
Para Sartre, o ser humano é, antes de mais, existência. "A existência precede a essência", escreve, recusando a ideia de que tenhamos uma natureza fixa. Ao nascer, não temos uma essência que nos determine, somos, portanto, livres para nos construir através das nossas escolhas. Essa liberdade é absoluta, mas também inescapável. Daí a expressão "condenados à liberdade": não escolhemos ser livres, mas somos. Esta liberdade implica responsabilidade total, pois cada escolha feita é um ato que define não só o indivíduo, mas também uma imagem do ser humano em geral.
A Má-Fé: Fuga à Responsabilidade
Frente a esta liberdade angustiante, Sartre identifica um mecanismo de evasão: a má-fé. A má-fé consiste em mentir a si mesmo, em recusar a própria liberdade, fingindo que se é um objeto determinado por forças externas — o papel social, a cultura, a biologia ou Deus. Por outras palavras, esta é a tentativa de fugir à liberdade e à responsabilidade de ser humano, através da ilusão de que se pode ser algo fixo, com um papel determinado e estável, como se não se tivesse escolha, ignorando o facto de que estamos sempre em processo de nos tornarmos aquilo que escolhemos ser.
Implicações Contemporâneas
Num mundo saturado por normas, expectativas e instituições que oferecem "modos de vida" pré-fabricados, a tentação da má-fé é constante. O indivíduo contemporâneo pode refugiar-se na identidade profissional, na ideologia política, na pertença a grupos ou comunidades digitais, evitando, assim, confrontar-se com a liberdade de se reinventar.
Na contemporaneidade, uma das formas mais recorrentes de má-fé manifesta-se através da construção da identidade nas redes sociais. Estas plataformas incentivam a criação de uma persona pública que é, muitas vezes, moldada por critérios de aceitação social, reconhecimento externo e validação constante. O sujeito tende a apresentar-se não como realmente é — um processo dinâmico, aberto e contraditório — mas como gostaria de ser visto, fixando-se num papel mais estável, facilmente digerível pelo olhar dos outros.
Mais ainda, essa identidade fabricada serve muitas vezes para justificar a inação, a alienação moral e critica ou a ausência de responsabilidade. Por exemplo, alguém pode escudar-se na sua filiação ideológica ou pertença a um determinado grupo (político, religioso, cultural) para não refletir criticamente sobre as próprias ações. Esta atitude, embora confortável, reflete o pensamento sartriano na sua má-fé: esconde o facto de que, mesmo ao aderir a uma ideologia ou grupo, se está a escolher fazê-lo, e que a responsabilidade por essa escolha nunca deixa de ser individual.
Neste contexto, a filosofia de Sartre surge como um apelo à autenticidade radical: assumir a liberdade como tarefa constante, recusar os papéis impostos e reconhecer que cada decisão contribui para a construção de um mundo comum. Num tempo em que é fácil atribuir culpas às estruturas, à história ou à sociedade, Sartre recorda-nos que a responsabilidade última permanece sempre no indivíduo. Viver de forma autêntica implica reconhecer que não há desculpas absolutas: cada escolha revela o mundo que queremos habitar e o ser humano que escolhemos ser.
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